Parece que a comida do hotel não caiu muito bem para o nosso hóspede e ele teve de se retirar rapidamente do salão. mas sua estadia não está de toda ruim, mesmo já planejando sua partida ele fez dois amigos. Veremos se ele conseguirá manter as amizades...
NON PARADISUS - PARTE 3
Sentado na beirada da cama, com
as mãos sobre a cabeça bagunçando o cabelo, ele tem a ideia de falar com o
casal. Mas em que quarto poderiam estar? Não sabia.
– O livro de entrada! – Sussurra
eufórico.
Sai do quarto com a ideia ingênua de
pegar o livro de um jeito que ninguém veja. O medo e a agonia não faz com que
pensemos nos detalhes às vezes.
Um golpe de sorte!
Não havia ninguém na recepção! Foi
fácil de achar, estava obviamente debaixo do balcão. Verifica os nomes. Somente
uma única entrada de um casal nas últimas páginas. Pensou em verificar se
encontrava outras 52 entradas de mesmos nomes, mas isso seria abusar demais da
sorte.
O quarto fica no segundo andar no
fim do corredor. Hugo ainda inseguro caminha lentamente, tentando disfarçar,
fingindo que não desconfia de nada, de que esta adorando a hospedagem. De que
sabe muito bem quem ele é.
Aproxima-se mais um pouco.
Olha a ultima porta do corredor um
pouco aberta revelando uma fresta do interior do quarto. De lá sons repetitivos
chegam aos ouvidos, parecem com molas rangendo. Nenhum outro som vinha de lá.
Mesmo assim, empurra um pouco da porta e vê! Aquilo o encheu medo e pavor. Uma
revolta em seu estômago havia começado.
Sem emitir sons. Sem contrair os
músculos pelo desejo carnal. Nada! Somente os movimentos mecânicos para cima
para baixo, com aquela expressão sem vida em seus rostos. O mesmo olhar daquele
gordo na janta. Como se fossem obrigados àquilo. Sangue começa a escorrer das
paredes e todo o quarto parece se mexer de forma grotesca em ângulos jamais
calculados. Hugo fica apavorado! Aquilo não é natural, tenta pensar. Sua mente
esta dominada pelo horror da cena. As pernas da mulher já atingiam tons de roxo
quase negro de tantas flexões repetidas em cima do marido. O novo hóspede até
pensa em ter visto a mulher pedir por socorro enquanto pulava em cima.
“PRECISO FUGIR AGORA!!”
Hugo se afasta em passos largos para
trás, com olhos arregalados. “Tenho que me mandar daqui”. Completamente
atordoado sai correndo sem se importar com mais nada para o único lugar em que
se sentia seguro, o seu quarto. “Que porra de lugar é esse?!”. Teve de passar
pela recepção “Vou sair dessa merda! De uma maneira ou outra!”. Dessa vez o
atendente esta lá e grita simpaticamente para o homem atormentado e meio
trapalhão, que transpira litros de nervosismo:
– Boa noite! O senhor pode vir aqui
e assinar a saída quantas vezes quiser, mas nunca poderá nos deixar! –
respondeu com um largo e simpático sorriso que não fora visto por ninguém.
Mas ele escutou, o que o deixou mais
tenso ainda, a ponto de rachar a mente e descobrir a insanidade dentro de si!
Já em seu quarto, ele anda de um
lado pro outro sem rumo, bagunçando o cabelo e esticando a cara com as mãos
tentando solucionar esse quebra-cabeça maldito! Como sairia de lá? Não havia
nada por ali em quilômetros de distancia! Só um deserto escuro e vazio o
cercava. “Como?! Como?! Como?!”.
Mesmo no meio daquele frenesi, a
noite esta silenciosa o suficiente para escutar um barulho de motor se
aproximando. Um ônibus talvez.
Aproxima-se mais. O som ficando mais
alto!
Barulho de freios no estacionamento
do hotel. Era o mesmo ônibus que trouxe Hugo, agora trazendo novos hóspedes.
Não vê um ônibus e sim uma
esperança! A mente já está um pouco menos estranha, fazendo-o ter a ideia de
pedir socorro ao motorista.
Ele sai do quarto com passos
acelerados em direção ao ônibus. O recepcionista murmura mais alguma coisa, mas
Hugo não escuta por conta de sua tamanha concentração.
“Não é a ideia mais inteligente do
mundo, mas é a única que eu tenho.”
Pensa assim que pisa no
estacionamento e corre em direção ao ônibus.
De longe o motorista vê o louco
correndo desajeitadamente em sua direção, calmamente ele espera. O louco o
reconheceu assim que se aproximou mais.
– Nortace! Nortace! – chama-o
enquanto corre sem folego. Só torna a continuar quando consegue chegar ao
ônibus e respirar um pouco – Nortace... Preciso que você me tire daqui agora
mesmo! Por favor!
O motorista só observa a figura
desajeitada e sem oxigênio à sua frente e estende a mão pedindo mais alguns
trocados.
– Olha amigo, não é brincadeira... É
sério... Eu preciso sair daqui! Quando chegarmos em algum outro lugar eu te
arranjo o dinheiro. Certo? Agora me dê licença!
No desespero, Hugo empurra o
motorista para trás agarrando-o com a intenção de tirar o magricela do caminho.
O hóspede sente algo se soltando do uniforme do motorista, mas nem deu para ver
o que foi.
Mal sobe no ônibus e sente uma mão
magra, franzina com uma força pesada e brutal sobre o ombro arremessando-o
longe!
O motorista caminha em direção ao
pobre e apavorado homem estirado no chão, sem entender como alguém tão magro e
minúsculo pode tê-lo atirado a alguns bons metros de distância. Conforme
Nortace se aproximava, a vítima de amnésia, perdida de tudo, se afastava se
arrastando no chão como podia.
– Ninguém embarca sem me pagar!
Jamais! – fala o motorista raivoso num tom tão ríspido e seco que, não
combinava com a figura que é.
Acuado e apavorado. Hugo consegue se
levantar e correr mais destrambelhado do que antes de volta para o hotel.
Escapando do motorista e do ônibus ele tem em mente fugir pelos fundos do
hotel. Lembrou-se do “delicioso buffet” e da cozinha!
Abre a porta de entrada com tudo. O
recepcionista tenta segurá-lo. Inútil!
Hugo o tirou de lado como um jogador
de futebol americano.
– Eu vou sair daqui! Seu bosta! – berra
desesperado em um reflexo inconsciente de movimentos e falas.
Os corredores já não emitem mais
nenhum som estranho, ou ele já não prestava mais atenção nisso. SÓ CORRA! Sua
mente institivamente mandava. O recepcionista se levantou e está atrás de você.
SÓ CORRA!
Sem olhar sobre os ombros ao menos
uma vez. Continua como sua mente disse pra fazer e chega ao salão.
Trancado!
Em um único chute ele consegue
arrebentar o trinco! Às vezes, quando a adrenalina está em todo nosso sangue,
somos capazes disso.
Corre pelo salão como uma criança
fugindo do escuro, seguindo em direção à cozinha. À liberdade.
Atravessa a cozinha derrubando tudo
sem se importar muito. Está perto da porta de saída, não precisa se importar
mais. Sua única preocupação é o deserto a noite.
Começou a empurrar a porta pesada de
aço que o levava para fora daquele lugar grotesco e infernal! Já podia sentir
terra batida e dura nos sapatos enquanto empurra a porta para fechá-la.
Após ter certeza de a porta estar
fechada, Hugo finalmente se vira. Pronto para encarar aquela escuridão plana e
sem fim, pronto para caminhar no meio daquele frio desértico. Pronto até mesmo
para enfrentar coiotes e cobras. Só não estava pronto para o que realmente está
vendo! Não há céu ou Lua e, sim, um teto com uma iluminação aconchegante. Não
há mais terra batida em seus sapatos, mas um chão de taco escuro. Muito menos
um horizonte negro e sem fim. Paredes de madeira, duas camas encostadas e um
abajur entre elas.
Hugo está de volta em seu quarto.
Sem saber como... Ele está!
Rapidamente se vira para encontrar
aquela porta dos fundos, mas encontra outra parede! Vira-se de novo em direção
à porta simples e bonitinha de seu quarto e permanece ali encarando. Pensa em
ter escutado três batidas na porta, que de tão leves, achou que fossem
imaginação.
Mais três batidas. Não era
imaginação. Isso fez com que Hugo ficasse mais grudado na parede só encarando a
porta. Passa a suar frio, ofegar como um asmático a procura de oxigênio no
espaço.