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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Non Paradisus

Você seria capaz de me definir o conceito de certo ou errado? Pesar precisamente o Bem e o Mal?
Talvez a resposta pode estar nesse simples hotel de estrada em um lugar ali, bem próxima à Loucura.



Non Paradisus

Um homem de meia idade acorda no meio da noite. Dentro de um ônibus desconhecido. Em uma estrada deserta e desconhecida para ele.
– Hã! O que eu estou fazendo aqui? – pergunta o homem com aquela voz ainda pastosa de sono, observando aquele horizonte sem iluminação pela janela do veículo.
Ainda meio zonzo de sono e um tanto mais aflito. Ele vai até a frente do ônibus. Olha para os lados. Todos os passageiros são desconhecidos.
Tentar achar uma resposta com o motorista para algumas das milhares de perguntas que começam a se formar em sua cabeça. Não consegue se lembrar de como foi parar lá.
– Oi. Com licença, para onde estamos indo? – pergunta para o motorista que traja um uniforme preto e um quepe, parece que não come há dias pela sua magreza cadavérica.
Enquanto dirige olhando atentamente a estrada vazia e reta ele ergue o braço direito apontando para uma pequena placa colada ao painel superior do ônibus, que diz “Não fale com aquele que o leva!”.
“Não seria melhor ‘Não fale com o motorista ou o distraia, obrigado. ’ somente?”, pensa o passageiro, estranhando o local onde está.
A única imagem que tinha na cabeça era de que estava em casa, mas não tinha certeza disso. Não saberia responder. A única certeza é de estar no meio do nada, em uma estrada reta, escura e deserta com um motorista que leva a sério demais o seu trabalho.
Voltando ao seu lugar sem se lembrar de nada direito, ele vê que, nos outros passageiros tem os olhos vazios. Sem expressão. Abertos por estar, simplesmente. O esquecido estranha muito tudo aquilo, mas não dá tamanha importância, tem outras preocupações. Se concentra para tentar lembrar. Nem o próprio nome lhe vem à mente. Quantos anos têm exatamente? 37? 35? 41? Impossível lembrar. Parece que, quanto mais se esforça para lembrar as coisas, mais se esquece delas. Nem lembrava mais se realmente estava em casa.
De longe, olhando pela janela, viu um ponto de luz na beira da estrada tentando iluminar aquela escuridão sem fim. Alguns bons metros mais a frente, talvez um quilômetro ou mais, o passageiro identifica o que é aquele ponto. Somente um hotel de estrada. O ônibus começa a diminuir sua velocidade conforme se aproxima do local, parando bem ao lado do estacionamento a céu aberto. Os outros passageiros tombam um pouco os corpos para o corredor do veículo como se esperassem alguma notícia. Suas expressões faciais não modificam.
– Ponto final! – diz o motorista enquanto abre a porta da frente e desce do ônibus.
Os passageiros começam a descer, sistematicamente. Menos o que não se lembra das coisas.
“Ponto final?! Aqui?! Por que eu pegaria um ônibus até aqui?! No meio do nada.”. Mesmo assim ele se levanta, por último. Vê que os passageiros dão gorjetas ao motorista na porta do ônibus antes de saírem. Por um momento ele pensa em não dar uma moeda sequer por causa da falta de gentileza anterior. Quando se deu conta do que fazia, ele já estava com as mãos no bolso puxando duas moedas de um valor qualquer.
Está sem sua carteira e muito menos bagagem. Só a roupa de seu corpo.
Sua vez de dar as moedas. O passageiro olha o crachá do motorista preso na jaqueta sintética do uniforme.
– Nortace?! Nome interessante. – diz ele se esforçando para manter a calma, quebrar o gelo e tentar se lembrar.
– Pois é... – responde o motorista forçando o pigarro, enquanto estica o braço, impedindo a passagem, idêntico a uma cancela de um pedágio.
– Ah! Sim! Tome. Boa noite. – diz, entregando as duas moedas que estavam na mão.
O passageiro pôde seguir caminho. Olha para cima e vê que não há estrelas no céu, apesar de parecer limpo, pois a Lua está extremamente pálida e cheia. Abaixa a cabeça e olha o hotel. É um daqueles tipos em “L” com dois andares e estacionamento cercado pela própria construção. Não dá para ter ideia de quantos quartos tem, mas, com certeza, todos que acabam de descer no ônibus terão vagas.
Enquanto ele observa a instalação, os outros passageiros seguem caminho até a recepção.
Mais uma vez o passageiro esquecido é o último da fila. Assinam o livro de entrada ainda com aquela expressão sem vida nos rostos. Sem conversas paralelas.
O recepcionista do hotel reconhecera na hora o último na fila.
– Senhor Hugo?! Ah já estávamos à sua espera. Venha. Pode vir! – Diz alegremente e em voz alta o funcionário.
Ele fura a fila. Os passageiros nem reclamam ou esboçam coisa alguma.
“Hugo?! Verdade! É assim que me chamo. Eu acho... Mas qual seria meu sobrenome?” Ele simplesmente não lembra. “Senhor... Que estranho... ’Senhor Hugo”.
Ainda assim, finge se recordar do local e começa assinar o livro comum de entrada, até ser interrompido.
– Não, senhor. O de reservas é esse aqui. – diz o empregado se abaixando e colocando em cima do balcão outro livro de capa dura e vermelha num tom escuro. O mais requintado possível para um hotel de estrada.
– Ah! Só por curiosidade, amigo. Há quanto tempo fiz essa reserva? – pergunta olhando para o livro enquanto assina.
“Alguma pista! Por favor, alguma pista!”
– Há muito tempo, senhor. Eu nem sei direito quando, mas o gerente deve ter os registros em algum lugar. Logo estará aqui para a hora do jantar, aí você poderá ver com ele se te interessar. Enquanto isso. Aqui estão as chaves do seu quarto. Número 33B. Fica aqui no andar debaixo. – diz o funcionário simpaticamente.
Hugo agradece e sai de volta ao pátio do estacionamento com uma vontade súbita de fumar! Apalpa os bolsos de seu casaco e encontra um maço cheio e uma caixa de fósforos. Retira um de cada, e acende o cigarro. Dá uma forte tragada e, antes mesmo que toda a fumaça desça aos pulmões, sente um gosto nauseante de podre. Tosse feito um tuberculoso à beira da morte numa tentativa de tirar aquele gosto horrível!
– Minha nossa! Que merda é essa?! – diz ainda tossindo e cuspindo no chão. Nada daquele gosto de bicho morto sair de sua boca. Ele pega a caixinha e olha atentamente dessa vez. Vê o maço cheio de um bolor verde escuro nos cigarros. Um cheiro de velho, úmido e estragado vem de lá. – Há quanto tempo esse lixo tá no meu bolso? Porra! E que bosta de lugar é esse que vim parar?
Amassa com uma das mãos e atira longe os cigarros.
Caem perto de um poste luminoso que, para ele, não estava lá antes. No topo em letras garrafais feitas em neon vermelho está escrito, “NON PARADISUS’ HOTEL” um pouco mais abaixo, na mesma montagem, “HÁ VAGAS!” em azul.

Fim da parte 1 de 4

NON PARADISUS - 2ª PARTE


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