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sábado, 9 de janeiro de 2016

Um dia de Cão - Conto finalista do concurso da Editora Iluminare

Empatia, essa é a palavra de hoje, a palavra chave do conto de hoje. Quantas vezes paramos para tentar enxergar a visão do próximo, quantas vezes percebemos os sentimentos e vontade dos outros? E se estivéssemos dentro de uma mente que não possa falar, com certeza passaríamos por um dia de cão, principalmente se for aqui em Terror 5...


imagem conto Um dia de cão



Mais um pesadelo, sempre o mesmo ou parecido, estou correndo até minha mãe quase a ponto de alcançá-la e de repente sou puxado por mãos fortes. Choro, grito, chamo por minha mãe, mas ela continua ali parada sem nenhuma reação enquanto vou me afastando.
Fui levado dela muito pequeno, não lembro muita coisa além desse dia, nem sei direito se tive ou tenho irmãos. Fui levado sem motivo algum e jogado nesse buraco, onde sempre que podem me encurralam e me prendem em um lugar pequeno. Por mais que eu grite, me deixam trancafiado e vão embora. Nem o direito de chorar eu tenho, se escutam, eles voltam e me espancam. Aqui é pequeno demais, fede às minhas próprias fezes e urina, fico preso por horas e não tenho aonde fazer minhas necessidades a não ser no próprio chão. Mas hoje isso acaba, acham que não sou esperto o suficiente para fugir daqui, burros são eles que esqueceram a porta aberta. Quanto descuido! Sempre me torturam quando a noite cai, uma tortura sádica, uma gama de cheiros incríveis é liberado aguçando ainda mais a fome que sinto, dá pra ouvi-los comendo e quando minha fome vem eu tenho, quando tenho, uma comida horrível, salgada, difícil de mastigar e água. Mas hoje tudo isso muda. A porta está aberta.
Primeiro eu espio pela fresta, tudo muito silencioso para o meu gosto, tem cara de ser uma armadilha isso, mas que escolha eu tenho? Deitar na minha própria merda? Sem chance. Acho que não tem ninguém aqui mesmo, não posso conter minha raiva de ter sido preso sem ter feito nada. Começo a destruir tudo que vejo com minha própria força. É divertido! Deixo tudo espalhado para que vejam do que sou capaz.
No meio de toda a brincadeira, um cheiro muito agradável me chama atenção, vem direto do canto mais frio. Mais uma porta, sem trancas, mas é difícil abri-la parece colada. Como esse cheiro é bom. Com muito esforço eu a desgrudo e o hipnotizante perfume fica intenso, é aquela comida que eles comem. Eu pego um pedaço daquela peça redonda e experimento. Sou muito desastrado para qualquer coisa e derrubo no chão, mesmo assim continuo comendo. O sabor é totalmente o contrário daquele lixo que me jogam, a cor é escura e a textura é macia e saborosa. Como até me entupir, deixo os restos ali mesmo, tenho que explorar o resto do local.
Escuto um barulho do lado de fora ameaçador demais, grito para que saia dali e que sou capaz de matar se continuar lá. Aos poucos o barulho se afasta, consegui espantá-lo heroicamente. Encontro mais o que destruir, nem sei o que fazem esses objetos ou para o que servem, menos um. Aquele no fim do corredor sei muito bem para que serve, está parado ali agora, mas quando um deles o pega na mão, aquilo grita de uma forma assustadora e suga tudo que há por perto. Já miraram na minha cara e riram de mim quando fugi covardemente, mas aquilo iria me matar.
Deve estar dormindo profundamente, então me aproximo aos poucos bem calmo e, quando é o suficiente, pulo e ataco o maldito, acabo com ele em mil pedaços e pronto. Finalmente a ameaça se foi, nunca mais rirão da minha cara.
Alguma coisa está errada, sinto-me meio zonzo, será que me esforcei demais? O que está acontecendo? Não consigo caminhar, sinto meu corpo mais quente, preciso me deitar, a luz me incomoda, pelo menos já está escurecendo, tudo parece girar e uma forte dor toma conta da minha barriga, chego a uivar da agonia e, por fim, vomito. Agora, entendo tudo era uma armadilha mesmo, aquela comida foi deixada lá de propósito para que me fizesse mal. Escuto um barulho metálico vindo de uma porta e um deles entra. Escuto gritar comigo, mas mal consigo me mexer, vou apanhar de novo, penso eu.
Fico surpreso com a reação dele que foi me acariciar, me pegar no colo e me levar por onde entrou.
Do lado de fora ele me coloca em uma caixa com rodas e lugares confortáveis para deitar, ele se senta na frente e eu fico atrás, me fala alguma coisa tranquilizadora, mas não sei o que é, estou muito mal, mas vi a expressão de seu rosto. A caixa parece se mexer por um tempo e depois para. Ele sai e o vejo pelas partes transparentes caminhando em minha direção, abre a parte o canto atrás de mim e me põe no colo correndo, com água nos olhos. Encontro outros como eu, tão mal quanto, ou mais, alguns estavam presos em locais bem menores daquele em que fico. Um semelhante àquele que me trouxe vem até mim quando me colocam em uma plataforma alta e introduz uma peça gelada e comprida dentro de mim, a sensação é muito desconfortável e dolorida, mas eu não tenho nem força para reclamar. Depois tiram um pouco do meu sangue e eles dois saem. Até poderia pensar que me abandonaram de novo se não tivesse escutado as vozes lá de fora, “muita ingestão de chocolate, as chances são mínimas”.
Tudo escurecendo ao redor, estico-me um pouco, sinto muito sono. Estou com medo, choro e grito por companhia com muito esforço. Já não enxergo ou escuto mais nada, mas sinto algo me abraçando enquanto soluça fortemente deixando pequenas gotas de água sobre mim.

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