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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Voo

Boa noite, meus caros. Hoje contarei uma história, uma história que procura a linha tênue entre a imaginação fértil e pureza de uma criança, com a perversidade que a cerca. Fiquem atentos, olhem para cima e admirem O Voo.


"O Voo"

Me falaram que eu podia voar, o menino da rua de trás disse para eu tentar. Disse que se eu subisse em um lugar bem alto e pulasse como um pássaro eu voaria. Às vezes ele aparece aqui no meu quarto quando papai e mamãe estão dormindo, ficamos conversando por horas bem baixinho para não acordar ninguém, mas teve uma vez que eu ri tanto com um barulho de pum que ele fez que minha mãe acordou, depressa ele entrou no armário, se escondeu, mamãe falou que o quarto cheirava a coisa podre, eu ri mais ainda. Quando ela foi embora, fui correndo pro armário pra tirar meu amigo dali, mas ele não estava mais lá.
Eu já tava acostumado com o cheiro dele, na primeira aparição tomei um susto muito grande, comecei a chorar e a gritar, ele cheirava tão mal, o menino sorriu e sumiu na minha frente. Na segunda vez, já não cheirava tanto assim, eu já não sentia mais medo, disse que morava na rua de trás e tinha medo de fazer amigos, por isso vinha tão tarde da noite e de alguma maneira ele havia gostado de mim. Eu não tinha entendido, mas gostei dele também, falava coisas engraçadas.
Teve um dia que foi estranho, estava de férias e mamãe me deixou convidar meus amigos da escola para irem em casa, brincamos na rua e depois liguei o vídeo game para jogarmos um jogo de corrida. Minha mãe fazia uns lanches na cozinha quando ele apareceu no fundo da sala, não sei há quanto tempo ele estava ali, mas parecia triste e envergonhado. Ele me perguntou, “Posso jogar?” e respondi que sim! Queria que todo mundo o conhecesse ouvissem as coisas engraçadas ele falava, mas quando o chamei e ele ficou na frente de todo mundo, fiquei espantado que ninguém podia enxergá-lo ou estavam brincando de que ele era invisível, pedi muitas vezes para que parassem com aquilo. Meu novo amigo não estava gostando e nem eu. Ficaram bravos e nunca mais voltaram a falar comigo.
Contei para minha mãe e para meu pai e eles me mandaram conversar com um homem e que seria bom para mim, papai disse que é um homem que cuida da cabeça, mas minha cabeça não doía e não entendia porque tinha que conversar com ele sobre meu amigo, não me sentia muito confortável para falar dele com um estranho então sempre inventava coisas. Fui lá muitas vezes.
Meu amigo começou a não aparecer mais, era o único que ainda tinha e ele não vinha mais, éramos eu, papai, mamãe e o enxerido que cuida da cabeça.
“Inveja. É isso que eles têm de você! Inveja...”
Escutei bem no fundo da minha cabeça, parecia vir de dentro até que eu o vi no canto mais escuro do meu quarto, chamei para vir mais perto para vê-lo melhor, se recusou a se aproximar dizendo que era perigoso e ficou ali no escuro e foi aí que ele disse o porquê da inveja. “Você tem poderes sabia? Quase como poderes mágicos... Você pode voar! Voar feito um pássaro e eles sabem disso, todos eles sabem, por isso te deixam sozinho para você se sentir triste e não ter nem vontade de tentar.”
Senti um sono tão forte logo depois que ele terminou, podia ser algo que o homem que cuida da cabeça tenha me dado pra tomar depois da janta. Acordei sem saber se era um sonho até olhar para o chão e ver duas marcas de pés no canto onde ele estava e comecei a acreditar mesmo que podia voar, me sentia muito mais feliz só por saber disso, não ligava para inveja, para mais nada. Com tempo, papai disse que eu não precisava ver mais o homem que cuida da cabeça. Fiquei mais feliz ainda!

Estava no quintal de casa, quando meu amigo apareceu em plena luz do dia e disse “vamos lá tentar?”. Na hora concordei, e ele disse para subir no canto mais alto do lado de fora da casa e pular. E agora, estou aqui em cima do telhado como ele disse para fazer, sinto um pouco de medo, mas ele está lá sorrindo para mim e falando: “Não tenha mais medo criança... Estarei lá embaixo para te abraçar” e senti um cheiro forte de coisa podre.



Arte feita por Lucas Gimenez
O que acharam? Comentem e compartilhem! Agradeço especialmente ao Lucas Gimenez que fez a ilustração para esse conto. Se você gostou dessa ilustração também, vale a pena acompanhar seu Instagram, lá encontrará outros desenhos e pinturas tão boas quanto! ;)

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